Lucille e Desi estão em uma semana crucial para I Love Lucy. O jornal Los Angeles Herald-Express publicou uma capa que declarava: Lucy é comunista. Sua segunda gravidez logo estaria aparente e não pegava nada bem uma atriz aparecer com um barrigão em um programa de TV em 1953. E um tabloide publicara fotos de Desi em poses suspeitas ao lado de garotas mais suspeitas ainda. A estabilidade do show de 15 milhões de espectadores estava comprometida. 

O roteiro de Aaron Sorkin para Apresentando os Ricardos não é 100% fiel à cronologia dos fatos, mas tudo isso aconteceu na conturbada vida do casal Lucille Ball e Desi Arnaz. E como um bom construtor de narrativas, Sorkin coloca cada tijolo de tensão em diálogos milimetricamente medidos para deixar o espectador sufocado como um comunista em um interrogatório perante o Comitê de Atividades Antiamericanas.

Lucy não era de fato comunista, infelizmente. Mas era uma mulher atrevida e que detinha o controle da mise en scène, a mente criativa por trás de I Love Lucy. E o filme acompanha os dias que antecedem a gravação de um dos episódios do programa aproximando o espectador da Lucy gente como a gente: insegura e intransigente, apaixonada e controladora. 

Muito do que ela enfrentou nos anos de produção de I Love Lucy, entre 1951 e 1957, está pincelado no roteiro com a delicadeza e a paixão de um fã dessa instituição americana que é a série: os embates com redatores, a difícil relação com Vivian Vance e o machismo de membros da produção, que provavelmente levou a atriz a impor a postura autoritária que demonstrava no set. O conservadorismo da televisão americana, em particular, é abordado de modo muito perspicaz: os estereótipos relacionados ao corpo feminino, por exemplo, são emblema de um mecanismo opressor até hoje dominante. 

A história de Lucille Ball no cinema B hollywoodiano e suas aspirações pessoais poderiam ser até mais exploradas porque formam um prato cheio no desenho da personagem. E compõem as cenas mais marcantes do filme, como a da mesa repleta de executivos engravatados com os quais Lucy negocia, implacável, os termos de produção do novo programa. 

O filme tem atuações memoráveis de Nicole Kidman e Javier Bardem, que formam um casal interracial que, pasmem, é outro mote para que Sorkin critique o conservadorismo televisivo. Ambos os atores, ao lado de J.K. Simmons, concorrem a prêmios em categorias de atuação no Oscar 2022. E é uma lástima que as indicações parem por aí. Muito mais que papeis bem desempenhados, o conjunto da produção expõe um show business norte americano que surpreendentemente pouco mudou.