Uma criança diferente dos padrões ditos normais é encarada pela sociedade como um problema. E se a criança for tímida e sensível, usar óculos, tiver uma marca de nascença na testa, olhos da cor de poças de lama e uma mãe alcoólatra que furta bebida e comida dos supermercados, mais difícil ainda será evitar a zombaria das outras crianças na escola. E tudo o que uma criança vítima de bulling quer é ter um amigo de verdade, mesmo que esse amigo more a milhares de quilômetros de sua casa.
A animação australiana Mary and Max (2009), dirigida pelo experiente Adam Elliot, trata do tema da rejeição social de forma terna e madura, aproximando uma menina de oito anos de idade e um ateu judeu com Síndrome de Asperger. A menina é Mary Daisy Dinkle (dublada por Toni Collette), que mora em Melbourne, na Austrália, e o judeu é Max Jerry Horowitz (dublado por Philip Seymour Hoffman), que vive em Nova York.
A única pessoa com quem a pequena e sonhadora Mary dialoga é o seu avô Ralph, que ao falecer torna a vida da meninadeveras solitária, tanto que seus amigos são bonequinhos feitos por ela, com ossos de galinha e conchas. Como passatempo predileto, Mary assiste aos Noblets, na TV, e os coleciona, mas também se diverte comendo leite condensado e chocolate. Tudo transcorria aborrecidamente cinza para Mary, até que ela tem a ideia de pegar a lista telefônica e escolher um nome de um desconhecido para lhe escrever uma carta. Esse desconhecido é Max, um obeso aspie judeu, mas que se diz ateu, que tem como companhia um papagaio, um gato sarnento e um peixinho dourado, além de um amigo imaginário, o Sr.Alfonso Ravioli. Max trabalha numa fábrica de camisinhas, adora cachorro-quente de chocolate e tem uma vizinha parcialmente cega que lhe prepara sopas. Ao receber a carta de Mary, fica feliz em saber que eles tem gostos em comum e que, enfim, pode ter alguém pra chamar de amigo.
Max revela a Mary que também era perseguido e intimidado pelos outros meninos na escola, e lhe ensina formas bacanas de responder às crianças que implicam com sua aparência. São inúmeras as missivas trocadas entre eles, ao longo dos anos, algumas lidas com certa apreensão por Max, pois as dúvidas de Mary são complicadas para a sua singular forma de pensar, causando-lhe crises de ansiedade.
Adam Elliot narra uma história trágica, com leves toques de comédia, abordando de forma sincera e delicada as nuances comportamentais de quem tem a Síndrome de Asperger, um transtorno autista diagnosticado apenas em 1994, cujas principais características são a dificuldade de interação social, a falta de habilidade para entender e demonstrar emoções, o desenvolvimento de padrões comportamentais ritualísticos e a primazia por um padrão racional/lógico de enxergar o mundo.
A animação é toda feita com claymation em tons de cinza, com destaque apenas para as cores vermelha e marrom, e foi selecionada para a noite de abertura oficial do Festival de Sundance desse ano, ganhando prêmios importantes, como O Grande Cristal do Festival de Animação de Annecy, o Grande Prêmio do Festival de Animação de Stuttgart e Melhor roteiro do Prêmio Literário de Queensland.
A amizade de Mary and Max me fez lembrar de um antigo sucesso do grupo infantil Balão Mágico, chamado É tão lindo, uma letra que fala sobre como é legal aceitar e gostar de alguém pelo que esse alguém é, sem se importar com julgamentos estéticos ou de crença ou de valor, embora seja muito difícil explicar aos outros que isso é tão lindo.
FICHA TÉCNICA:
Título original: Mary and Max
Ano: 2009
Diretor: Adam Elliot
País: Austrália
Duração: 92 min.
Gênero: animação dramática
“Mary and Max” é filme pra fazer a gente repensar a forma como tratamos as pessoas à nossa volta. Deveria ser passado nas escolas!
Obrigada pela garimpagem, Milena! 😀
Tenho que assistir! No mais, o Magnífico Reitor da UFRN deveria ser obrigado a assistir pra ver se entende o significado do bulling. Quem sabe ele junte “Tico com Teco” e decida acabar com essa aberração que se perpetua no Campus durante todo início de semestre letivo. Muito obrigado pela excelente dica, Nabuco
Enquanto as pessoas não aceitarem que cada ser humano é único, que tem qualidades e defeitos, a convivência gregária sempre será conturbada.
O grande problema do trote acadêmico, Nabuco, prática da qual sou totalmente contra, é que os veteranos entendem que por terem chegado primeiro ao “grande templo do saber”, podem se utilizar de sua posição para humilhar os que estão chegando. Trote deveria ser rito de iniciação e não essa palhaçada que se vê todo ano, onde alguns saem feridos não só física, mas emocionalmente, o que é pior; fora alguns casos que terminam em morte, como aconteceu em São Paulo há alguns anos atrás.
Em o Gosto se Discute, procuro falar sobre filmes e animações que, embora sejam um tanto quanto desconhecidos no Brasil, mas precisam ser conferidos, sim. Agradeço à Tatiana o espaço para isso.
Milena
Os alunos veteranos não têm que achar nada! Se ser veterano é sinônimo de estupidez…danem-se. Aliás, veteranos ou novatos são todos alunos. Aluno é aluno não importando se entrou hoje ou se ta perto de ser jubilado. Eles passarão sempre. Eu que ensino na UFRN fico vendo essa coisa se repetir indefinidamente.
No mais queria contar com vc para críticas de cinema no meu pequeno blog. Gosto muitíssimo do que você escreve. Posso? Ando tentando falar com Tatiana para convidá-la também.
http://buracodoidolinhasaereas.blogspot.com/
apareça e me diga se topa….
francisco.nabuco@gmail.com; 87416266; 32228634