O ato de entrar na sala de cinema, se acomodar na poltrona e esperar o apagar das luzes para que o filme comece é constantemente associado ao ato de sonhar. Toda a atmosfera da sala escura converge para isso; e a intenção, na verdade, é essa. Todos as angústias e aflições devem ficar lá fora. No cinema, só os sentidos e o devaneio.
Na atual safra de obras cinematográficas, não há exemplar que mais se aproxime desse conceito que À Deriva, do diretor pernambucano Heitor Dhalia. Um filme azul, de tão onírico. Começa com o cenário: a história se passa em Búzios, no litoral fluminense, onde Felipa passa o verão com a família. No seu jeito desajeitado de adolescente, Felipa observa as brigas dos pais, as sensações que vive no desabrochar da adolescência, e alimenta uma certa atitude voyeur.
O filme, portanto, é metalinguagem no melhor sentido. Por que cinema é ou não, em essência, uma atitude voyeur, de observação da vida alheia? E nisso, o diretor soube conduzir o filme como uma extensão das impressões de Felipa: os filtros deixam a película sempre com um tom solar; o balanço da câmera no mar faz com que o próprio espectador se sinta como numa marola; e a música de Antonio Pinto acentua os sentimentos de revolta e solidão da menina.
Por tudo isso e mais um pouco, À Deriva é cinema para se admirar. Não há um roteiro impenetrável, difícil de entender. Pelo contrário. A história é simples, de uma garota crescendo e vendo sua família desabar. E isso seria duro demais não fosse esse azul constante, presente inclusive no olhar paternal e apaixonado de Vincent Cassel, essa onipresença do mar e as visões típicas de um verão em Búzios: biquinis, cabelos ao vento, sorrisos adolescentes. Há ainda as roupas da época, belissimamente desenhadas por Alexandre Herchcovitch, e a atuação emocionada de Debora Bloch.
Passando em revista a curta mas significativa carreira de Dhalia, pode-se dizer que é seu filme mais blasé. Não importa se as pessoas entenderão ou não todas as mensagens que ele pretende transmitir. Não é a intenção. É para ser visto porque é belo. E o mais interessante é que tenha saído da cabeça de um diretor que veio da publicidade, em que as “ideias” valem como ouro. Numa época em que filme bom é filme com muitos efeitos, Dhalia pretende nos dar uma lição: a arte é tão presente em nossa vida que a gente nem sente. Mesmo nos momentos ruins. Palmas para ele.
Gostei do que li, mas não sei se o fime me agradaria… Só assistindo mesmo para saber. Minha viciada ignorância talvez me fizesse dormir, não sei… Tudo é talvez, uma vez que tudo o que eu poderia dizer aqui não passa de preconceito.
Leitura agradabilíssima, Tatiana!