Havia uma categoria de filme, entre as décadas de 1960 e 1990, chamada “policial”. Eram rotulados assim, filmes nos quais o enredo mostrasse o passo-a-passo de uma investigação policial, com direito a cenas de perseguição de carros e tiroteios nas ruas ou dentro de prédios, ou acompanhasse o esforço de um detetive (ou agente policial que não havia se deixado corromper) para desvendar um crime, ou ainda um personagem que se dizia inocente e fazia de tudo para achar os verdadeiros culpados. Eram tramas que envolviam suspense, ação e um pouco de romance. Bullit (1968), Klute – o passado condena (1971), Chinatown (1974), A Testemunha (1985), O Ano do Dragão (1985), Os Intocáveis (1987), Vítimas de uma paixão (1989) e O Diabo veste azul (1995) estão entre os bons filmes desse gênero.
O que antes se rotulava “policial”, hoje é chamado de “thriller”, e as tramas inteligentes e bem elaboradas cederam lugar aos efeitos de câmera e às explosões exageradas, na maioria das vezes. Só uma coisa não mudou: a presença da violência.
Um diretor que soube explorar muito bem a violência em seus filmes “policiais” foi William Friedkin. Realizador de Operação França (1971) – que ganhou cinco Oscar, incluindo melhor filme e melhor diretor –, Parceiros da Noite (1980), Viver e morrer em Los Angeles (1985) e Caçado (2003), esse amante da música erudita – chegou mesmo a abraçar o mundo da ópera –, consegue ainda hoje orquestrar cenas marcantes, seja em filmes ou episódios de série de TV, como CSI.
Ao assistir ao DVD de Viver e morrer em Los Angeles (To Live and Die in L.A.), cujo roteiro foi co-escrito pelo autor do livro que deu origem ao filme, o agente do Serviço Secreto Norte-americano, Gerald Petievich, junto com Friedkin, pude comprovar o clima nu e cru que cercou as gravações e as interpretações dos atores, uma vez que Friedkin não costumava ensaiar e refazer tomadas. Ele deixava as câmeras ligadas e seguia captando os gestos espontâneos dos atores, que em muitas cenas dispensaram os dublês e mandaram ver em lutas e perseguições bem autênticas. A violência é exacerbada, com inúmeros tiros à queima roupa (há chocantes disparos no meio da cara dos personagens), o que me remeteu à franquia Desejo de Matar, com Charles Bronson, mas sem os inúmeros palavrões, característicos dessa série.
Viver e morrer em Los Angeles aborda o dia-a-dia de agentes do serviço secreto, que tem responsabilidades variadas, como escoltar o presidente e perseguir falsificadores de dinheiro e cartões de crédito. O personagem principal é o agente Richard Chance (William L. Petersen), um cara que vive o aqui e agora, e adora desafiar a morte (parece que Mel Gibson se inspirou nesse personagem para criar o Martin Riggs, de Máquina Mortífera), além de não medir esforços para conseguir o que quer, chegando mesmo a burlar a lei. Quando seu parceiro morre a dois dias de conseguir a aposentadoria, ele segue com tudo na pista do artista plástico e falsificador Rick Masters (William Dafoe), tendo que fazê-lo com um novo parceiro, John Vukovich (John Pankow), o qual ele aceita a contragosto. E o interesse amoroso de Chance é Ruth Lanier (Darlanne Fluegel), que em troca de não ter sua condicional revogada, aceita ser sua informante.
Para conseguir veracidade absoluta em seu filme, Friedkin tomou como consultor um ex-falsificador, que reproduziu todo o processo de falsificação de dinheiro (a sequência em que William Dafoe prepara as chapas, mistura as tintas, imprime e corta as notas e se livra do número de série original é maravilhosa, mostrando que aquilo era trabalho para um artista de fato), e assim eles fizeram várias notas de 20 dólares, dinheiro esse que depois foi queimado em uma cena do próprio filme. Além disso, Friedkin filmou algumas cenas dentro de uma penitenciária da Califórnia, tendo os detentos como figurantes.
Apesar de ter sido filmado em 1985, Viver e morrer em Los Angeles traz situações condizentes com a nossa realidade. O primeiro elemento é o terrorista árabe que pretende explodir o prédio em que está o presidente dos EUA (eles fugiram do clichê da época, que seria o agente russo da KGB), depois são mencionadas as ilhas Cayman, já como uma referência à lavagem de dinheiro, e ainda há menções a uma relação lésbica.
O DVD traz um making of de quase meia hora, além de uma cena deletada e um final alternativo, fotos das filmagens, teaser e trailer de cinema.
Quem também atua nesse filme é John Turturro, Dean Stockwell e Robert Downey (o pai do ator que fez Chaplin e Homem-de-ferro), sendo os dois últimos, os únicos atores mais famosos do elenco na época, porque Friedkin preferiu trabalhar com atores em início de carreira.
Na sua estreia, Viver e morrer em Los Angeles teve uma boa bilheteria, mas a crítica o esnobou. Hoje, ganhou status de filme cult pela forma ousada como foi feito e segue como um dos melhores trabalhos do diretor de O Exorcista, que no dia 15 desse mês recebeu um prêmio pelo conjunto da sua obra, durante o Festival Internacional de Filmes de Locarno, na Suíça.
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