A cerimônia de entrega dos prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood já é hoje (24), e ontem finalmente terminei de assistir a todos os candidatos ao Oscar de melhor filme. Tive boas surpresas, pois pensava que acharia Os Miseráveis chatíssimo e não tinha nenhuma expectativa com relação a Indomável Sonhadora – que se revelou meu franco favorito! Vamos aos três últimos concorrentes da categoria melhor filme:
Django Livre (Django Unchained, dir. Quentin Tarantino)
Tarantino conseguiu superar Bastardos Inglórios em ironia e horror com Django Livre. Tratando do mesmo tema – a vingança de um povo oprimido contra o opressor – desta vez o cineasta ficou em casa, trazendo para a premissa um escravo liberto antes da Guerra de Secessão americana que ajuda um caçador de recompensas (personagem do sensacional Christoph Waltz) a identificar três capatazes, e que depois será auxiliado na busca por sua mulher, também escrava.
O roteiro é inventivo, a trilha sonora é magnífica – com temas de Ennio Morricone e Luis Bacalov, responsável pela trilha do primeiro Django, de 1966 – e a direção de arte nos dá a exata noção do quanto Tarantino não é mais aquele diretor independente que não tinha recursos dos primeiros filmes. Mas algo me fez murchar e foi justamente a percepção de que Tarantino hoje pode muito e abusou disso. A partir do momento em que ele aparece no filme (é só uma ponta, mas marquei esse instante), a conclusão fica sendo postergada e muitas cenas dispensáveis entram numa hora em que, em minha opinião, a plateia já está cansada de tanta matança. Afinal de contas, são 2h40 de projeção! O filme vale, no entanto, por tudo o que já mencionei e pelas atuações: nunca vi Leo di Caprio tão bem, Samuel L Jackson tão afiado e Christoph Waltz tão hábil em conquistar a atenção logo no início da jornada.
Os Miseráveis (Les Misérables, dir. Tom Hooper)
Depois de ler as críticas do Barcinski e do José Geraldo Couto eu estava bem desanimada quanto a Os Miseráveis. Mas foi importante entender, lendo o segundo, que o filme foi feito tomando por base a versão teatral musical de Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg, e não o romance de Victor Hugo. O filme parece, deveras, uma peça filmada. No entanto, não deixa de ser bem feito, bem cantado e – o que eu considero ser seu objetivo – emocionante.
Não gosto de musicais e Os Miseráveis abusa do conceito. Praticamente todas as falas são cantadas. Mas a produção foi competente em dar aos cenários a ambientação necessária para sugerir os tempos sombrios em que se vivia, e as canções adicionam à obra toda uma carga dramática extra à narrativa de Victor Hugo. O empenho musical dos atores é, aliás, o que mais chama a atenção: tudo foi cantado ao vivo no set, sem playback, e a cena da canção do desabafo de Fantine (Anne Hathaway, indicada ao prêmio de atriz coadjuvante) é uma das mais belas da história dos musicais no cinema. Apesar disso, não acho que seja um filme que mereça o prêmio principal pelo simples fato de não ser uma construção genuinamente cinematográfica, mas apenas a transposição para as telas de uma peça.
Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, dir. Benh Zeitlin)
Este sim é, em minha opinião, um exemplo de inovação fílmica. Não historicamente, mas enquanto produto no contexto do que se tem feito nos últimos anos no cinema norteamericano. Indomável Sonhadora é a estreia em longas de um jovem diretor nova-iorquino e mostra, do ponto de vista de uma menina de seis anos, a vida que ela leva ao lado do pai numa comunidade pobre do Sul dos Estados Unidos inundada por uma tempestade.
O filme é original porque apesar de a narrativa trazer todas as fantasias e a afeição da menina com relação ao pai, que tem uma doença sobre a qual ela pouco entende, e à mãe, que fugiu quando ela era bebê e é evocada em seus momentos de solidão e medo, o quadro que se mostra não é maquiado nem tem resquícios de sonho. O retrato daquela vida é desolador. E o que mais surpreende é que, apesar do horror que se sente ao sermos confrontados com aquele cotidiano, o espectador se vê conquistado pelos personagens, tão selvagens, tão abandonados, e é tomado pelo desejo de uma vida que não seja, como diz a menina, “de aquário”.
Quvenzhané Wallis não foi indicada ao principal prêmio de atuação de graça. A presença da garota conduz o filme, e sua química com o ator que representa seu pai é responsável pelos melhores momentos do filme. Virou meu favorito. É uma pena, no entanto, que a Academia não goste muito de inovações formais.
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