Daniel Burman é um dos meus cineastas preferidos nos últimos tempos. O argentino, de 40 anos e 11 filmes na bagagem, ainda não brilhou no cenário internacional mas tem admiradores cativos lá, entre hermanos, e cá, esta nação rival no futebol. A Sorte em Suas Mãos, seu longa mais recente, ostenta no cartaz um nome famoso no mundo da música: Jorge Drexler, o uruguaio de Al Otro Lado del Rio, é o protagonista, Uriel.
Tudo o que precisamos saber de Uriel é que ele tem dois filhos e uma relação mal resolvida com uma série de mulheres. O vínculo do personagem com os filhos é tamanho que ele explica, logo no começo do filme, que quer fazer uma vasectomia porque deseja manter o compromisso com as crianças que já tem. Escolher nome, escola, tudo de novo? Está fora de cogitação.
Desde que comecei a acompanhar a carreira de Daniel Burman, ficou claro que as relações familiares pra ele são motivo de muita reflexão – e mote pra comédias e dramas. O Abraço Partido, de 2004, um de seus primeiros longas e que levou um Urso de Prata em Berlim, trata de uma relação travada entre um pai e um filho, e se conecta às idiossincrasias dos judeus espalhados pelo mundo. As Leis de Família, de 2006, estabelece com este A Sorte… um paralelo curioso. Neles, os filhos acabam por seguir o trabalho dos pais numa situação que se assemelha quase que a um atavismo. Do círculo vicioso da família, nunca saímos. Neste filme, a onipresença da família volta em duas vertentes: do trabalho herdado, aos filhos dos quais Uriel não quer se desvencilhar.
E a relação de Uriel com as mulheres? Bem, nesse particular não posso remexer muito, mas confesso que a visão de amor que Burman me apresentou (por meio de uma certa fala de um rabino) me fez sair do cinema mais otimista que o usual. O papel que Valeria Bertuccelli (Gloria) representa não é um dos melhores de sua carreira, mas a personagem define um conceito essencial para a sustentação de um amor na visão do filme: a maturidade. Se antes ela não pôde permanecer na vida de Uriel, será que agora vai conseguir?
A sugestão de que a sorte e o destino se alternam na construção das relações aparece no filme em figurações diversas. O pôquer, o reencontro, a vasectomia. E é curioso como duas noções tão distintas se juntam neste filme de personagens bastante carismáticos. Não porque se advogue uma primazia do acaso sobre todas as coisas, mas porque o roteiro permanece aberto a uma série de interpretações. Diante da história de Uriel, Gloria, e de suas dificuldades, cabe a nós preencher os vazios com nossas histórias de sorte e destino.
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