O japonês Haruki Murakami é uma das figuras mais conhecidas da literatura contemporânea. Talvez porque, apesar de sua nacionalidade, sua carreira seja marcada por uma escrita que se aproxima do cânone ocidental, e suas narrativas sejam frequentemente descritas como colagem de referências da cultura pop. Em 2013 foi considerado o favorito para levar o Nobel de literatura, prêmio que eleva as vendas de qualquer um só pela posição no ranking de apostas. Após o Anoitecer (After Dark, lançado no Brasil em 2009, pela Alfaguara), seu décimo primeiro romance, aborda uma noite na vida das irmãs Eri e Mari, enquanto uma dorme um sono profundo e a outra passa a madrugada lendo em um bar depois de perder o último trem para casa, interrompida pela chegada de personagens noturnos em Tóquio. Por ser um volume pequeno, serve bem como introdução à obra do escritor japonês.
Cada capítulo começa com a imagem de um relógio que dita o tempo à medida em que a madrugada avança. O relato de Murakami é quase cinematográfico, com cortes nas cenas que deveriam ser retomadas depois, mas que muitas vezes são deixadas sem conclusão. As histórias desenvolvidas em cada capítulo nem sempre se cruzam, e o que fica claro é que o autor se esmera, sobretudo, na construção de imagens. Em sua narrativa, o leitor é convertido em espectador de cenas, como um guarda que observa o vaivém diante das câmeras de vigilância.
Pouco se sabe sobre os personagens e suas motivações sem que eles o digam explicitamente. E essa falha é do mesmo gênero das que estragam determinados roteiros de cinema. Em vez de delinear a caracterização do personagem, o autor o põe se auto explicando. O exemplo mais nítido disso é o de Takahashi, músico de jazz que se realiza ensaiando com a banda, mas que está se preparando para deixá-la. A longa conversa com Mari em que ele explica as razões que motivam sua mudança de vida é chata e um tanto contraditória: transforma uma figura que, em princípio, causa curiosidade, em alguém que precisa explicar intenções que não encaixam com seu perfil.
Os diálogos, portanto, costuram uma narrativa fragmentada, de forte inspiração na cultura pop. A doença pela qual passa a personagem de Eri, que poderia ser identificada como uma ansiedade contemporânea, fica sem profundidade. Seria ela vítima de uma fobia que a leva a se transformar na Bela Adormecida ou estaria encarcerada por um psicopata?
O fio desenvolvido a partir da história de Eri parece só servir aos papéis de sua irmã, Mari, que perambula pela noite sem querer voltar para casa, e de Takahashi, que apresenta os demais a Mari. A partir dessas relações se pode vislumbrar um retrato da noite de Tóquio – que poderia ser, diga-se, o de qualquer outra metrópole, mas que sai enriquecido. Existe certa beleza em observar os entrechoques da cultura contemporânea com as tradições nipônicas.
A música, presente em quase todas as obras de Murakami, é personagem adicional. Referências ao jazz e ao blues podem até soar anacrônicas, mas sugerem um contato com atmosferas de saudosismo e suspense, casando com o ritmo do passeio noturno. O problema desse formato de narrativa fragmentada e de construção de cenas é que elas atraem um leitor muito específico, quem está acostumado ao zapping ou à busca de vídeos no Youtube. Parece que as cenas não se fixam na memória e a narrativa carece de clímax.
Murakami, nesta obra, não estava disposto nem a caracterizações detalhadas de personagens e muito menos a grandes momentos. Sua intenção era, provavelmente, fazer um passeio por Tóquio durante uma noite, acompanhado por um punhado de gente sem rumo. No momento em que começamos a entendê-los e a identificar um conflito narrativo, acaba o filme. Ou melhor, o livro.
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