“Let us not take this planet for granted. I do not take this night for granted.”
Leonardo DiCaprio
(Não vamos subestimar o valor deste planeta. Eu não subestimo o valor desta noite.)
“What a great opportunity to our generation to really liberate ourselves from all prejudice, and this tribal thinking, and make sure for once and forever that the color of the skin become as irrelevante as the lenght of our hair.”
Alejandro González Iñarritú
(Que grande oportunidade para a nossa geração de se libertar de todos os preconceitos e desse ranço tribal, e afirmar, de uma vez por todas, que a cor da pele é tão irrelevante quanto o comprimento do cabelo.)
A grande noite da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, de entrega dos Oscars, exibiu imagens de surpresa e mal estar, mas também serviu de palco para discursos importantes e demonstrações subliminares de valorização de talentos estrangeiros e temas espinhosos. A cerimônia do último domingo (28) terminou com dois mexicanos aclamados pela Academia e um filme sobre a descoberta do escândalo da pedofilia ovacionado. Isso não é pouca coisa.
Chris Rock e o roteiro maldoso criado para satirizar o protesto de artistas negros contra o racismo subjacente às indicações, o #OscarsSoWhite, deixaram muita gente de olhos arregalados; as falas de Rock, no entanto, ao reafirmar que faltam aos negros nem tanto indicações, mas oportunidades; ao relembrar que dos “liberais” que deram dinheiro para a eleição de Obama poucos empregam negros; e ao demonstrar, nas entrevistas em que mostrava gente que nada entendia dos filmes mais recentes, que o cinema já não é a arte querida do povão, deixaram claro que ele não estava ali sob manipulação. Participou deliberadamente do teatro, consciente do papelão e ao mesmo tempo com tópicos relevantes. Não vejo como retrocesso, mas como parte da caminhada. As piadas que “tentaram” afirmar que Hollywood é, sim, igualitária, foram no entanto totalmente descabidas.
Com tanta saia justa e poucos números musicais bons, houve quem achasse a cerimônia chata. Prefiro dizer que ela foi como todas as outras, mas sem a beleza e a graça dos números musicais de Hugh Jackman, por exemplo, e sem homenagens importantes. Perdeu-se a oportunidade de reconhecer a carreira de Sylvester Stallone e de repetir a bela cena dos Globos de Ouro em que ele foi aplaudido de pé por seus pares. Perdeu-se a oportunidade de ter Anohni, cantora transgênero antes conhecida como Antony, apresentando sua canção indicada ao Oscar – em um ano em que Eddie Redmayne foi indicado ao prêmio de atuação por seu papel como a primeira transexual da história (em A Garota Dinamarquesa). Foi um Oscar de fachada, como muitos outros, mas com detalhes que devem ser ressaltados.
Um italiano mestre em trilhas sonoras para o cinema, Ennio Morricone, foi pela primeira vez reconhecido pela Academia. Seu trabalho em Os Oito Odiados é magnífico e um Oscar para ele lhe dá uma chancela de que nem precisa mais. Mesmo assim, foi bonito ver um senhor de 87 anos com uma carreira sólida – também no cinema americano – receber sua estatueta com aquele jeito de criança. Assim como foi encorajador ver dois diretores chilenos levarem o prêmio de melhor curta de animação – por Bear Story. Tivemos uma animação brasileira com forte carga de crítica social entre os indicados, O Menino e o Mundo, e um filme com sério conteúdo de denúncia sobre a crise de 2008 – A Grande Aposta – levar o prêmio de melhor roteiro adaptado (apesar de achar que merecia outros prêmios, como o de melhor edição).
Penso que o forte do Oscar deste ano, a despeito disso tudo, foram os reconhecimentos contidos nos prêmios de melhor direção, direção de fotografia, ator e filme. O Regresso – espetáculo visual que está longe de ser só a história de um homem quase enterrado vivo que deu a volta por cima, lutou contra um urso e vingou o filho assassinado, mas que também declara, por meio de seus personagens, o quanto os índios são sempre esquecidos no histórico de violência que marca a colonização das Américas – mereceu todos os prêmios e mais alguns. O diretor Alejandro Iñarritú lembrou desse histórico em seu discurso (citado lá na epígrafe) e todo o texto de seu filme fala nesse sentido.
Aliás, num ano em que Donald Trump vocifera e ameaça os imigrantes latinos, ter um diretor mexicano levando seu segundo Oscar consecutivo, e um diretor de fotografia também mexicano ganhando seu terceiro, são simbolismos dignos de comemoração. Não só pela nacionalidade deles. Mas pelo valor reconhecido a despeito da “cor da pele”, como disse Iñarritú. O trabalho de cinematografia de Emmanuel Lubezki, o Chivo, alcança requintes históricos com um plano sequência inicial de tirar o fôlego, cenas que fazem a paisagem falar por si e a destreza em fazer quase tudo com luz natural. Ambos ajudaram com maestria Leonardo DiCaprio a levar seu primeiro Oscar pra casa, já que sua atuação em O Regresso nem foi a melhor de sua carreira.
O reconhecimento de melhor filme caberia a ele sem fazer feio. Mas o prêmio coube a Spotlight, uma história sobre como quatro jornalistas investigativos batalharam por meses para trazer à tona um dos maiores escândalos dos Estados Unidos, o da pedofilia na Igreja de Boston, num encerramento que serviu como choque de realidade à noite de domingo. Porque nem sempre o melhor filme é eleito – às vezes ele pode nem ter sido indicado. Mas o melhor filme trazer uma história que muita gente quis esconder é um feito tão importante quanto foi o de 12 Anos de Escravidão, naquele ano em que o Oscar nem foi tão branco…
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