Renato queria fazer as coisas como gente grande. Fazer parte da turma que se reúne na praça, usar calças compridas, cortar o cabelo sentado na cadeira destinada aos homens, e não às crianças, na barbearia. A ânsia dele é singular e ao mesmo tempo plural: como vários garotos de sua idade, Renato já exala os hormônios da puberdade, mas é como ninguém que se apaixona por Malèna, a mulher mais observada da pequena Castelcuto, pequeno vilarejo da Sicília.
Malèna é casada com um dos muitos soldados italianos que estão combatendo na Segunda Guerra Mundial. Bela e solitária, conjuga dois predicados inaceitáveis para a população da cidadezinha. Todos acham que Malèna tem um amante. Ou vários. E já que Renato nutre fantasias cinematográficas com a mulher, não hesita em persegui-la em seus passeios diários à casa do pai idoso, para descobrir se quem ela visita é mesmo o amante. É desse voyeurismo pueril que Tornatore retira a essência da trama: todos temos um pouco de observadores da vida alheia, mas as consequências do que faremos com isso faz muita diferença.
É fácil dizer que em Malèna, seu nono longa-metragem, o diretor Giuseppe Tornatore repetiu algumas de suas próprias fórmulas cinematográficas, como a da narrativa em primeira pessoa e em flashback, em um tom que remete às lembranças oníricas da infância, às vezes tendentes à fantasia ou à inverossimilhança. Mas o fato é que poucos sabem contar esse tipo de história que beira à nostalgia pura como ele. Em Malèna, aliás, a fotografia de Lajos Koltai e a música de Ennio Morricone convidam o espectador à contemplação.
Apesar da paisagem paradisíaca das praias da Sicília, e da música convidativa às aventuras de Renato, o filme nos prega algumas peças, que servem para nos inculcar a seguinte questão: que importância damos ao que os outros pensam? Malèna é, claramente, vítima de um preconceito às avessas, e nem um julgamento oficial fará com que deixe de ser julgada, todos os dias, pela imaginação de homens e mulheres. Se ela traía ou não o marido, não importa. O que importa é que, diante da impossibilidade de escapar das fofocas, Malèna passa a dar motivos a elas. E apesar de a ela pouco interessar o que os outros pensam, seus observadores e algozes não a deixarão impune.
Em vários momentos da trama é possível pôr em dúvida o que de fato aconteceu a Malèna. Mas isso, igualmente, pouco importa. Além de oferecer um deleite aos olhos e aos ouvidos, Tornatore pretende que cada um de nós se identifique com Renato, em seu primeiro amor. Partindo do pressuposto de que o primeiro é sempre o mais puro, talvez aí sejamos capazes de entender que, somente amando incondicionalmente Malèna, a ele foi possível não julgá-la, aceitá-la e até perdoá-la de seus pecados.
Ficha técnica:
Título Original: Malèna.
Direção: Giuseppe Tornatore.
Roteiro: Giuseppe Tornatore, baseado em história de Luciano Vincenzoni.
Fotografia: Lajos Koltai.
Música: Ennio Morricone.
Produção: Carlo Bernasconi e Harvey Weinstein.
Elenco: Mônica Bellucci (Malena Scordia), Giuseppe Sulfaro (Renato), Luciano Federico (pai de Renato), Matilde Piana (mãe de Renato), Gaetano Aronica (Nino Scordia).
Lançado em 16 de março de 2001 no Brasil.
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