Falar de Tubarão em 2015 é difícil. Já vimos Parque dos Dinossauros, Avatar, O Senhor dos Aneis e uma infinidade de outros expoentes dos efeitos especiais. Assistir a um suspense situado numa minúscula cidade costeira em que um punhado de gente se apavora diante de um tubarão mecânico parece um pouco… ultrapassado. Mas acabei vendo Tubarão na tela grande semana passada e o filme me arrebatou. Já sabia de algumas coisas sobre os bastidores dele, como o fato de que Spielberg teve ataques de pânico por medo de não conseguir terminá-lo, ou a circunstância de que o roteiro era construído a cada noite, já nas filmagens. Mas faltava mais. Faltava sentir o efeito que essa produção de 1975 gerou em multidões, já que o filme é, até hoje, a sétima maior bilheteria de todos os tempos.
Primeiro detalhe louvável é que muitos dos que atuam em Tubarão são amadores. Isso ajuda bastante na identificação do público com o filme, apesar das caras conhecidas de Richard Dreyfuss e Robert Shaw. Steven Spielberg queria essa impressão de gente “anônima” pra fazer as pessoas acreditarem que aquele terror poderia acontecer comigo ou com você. É interessante também que não há aquele excesso de gente bonita como costumamos ver nos filmes de praia atuais. O resultado é que as personagens são factíveis, palpáveis, e é possível conectar com cada uma delas. Imagine você se a Elizabeth Taylor fosse escolhida para ser a mulher do delegado. Pois é.
Existe, além disso, um cuidado especial com planos-sequência, cortes e tomadas. Hitchcock usou um truque simples para emendar pedaços de rolo e dirigir Festim Diabólico como o primeiro filme em plano-sequência, fazendo as junções usando os momentos de foco nas cores escuras do baú ou dos ternos dos personagens. Spielberg se aproveitou das transições. Na cena da praia, quando os cortes são pautados pela passagem dos banhistas, ganha-se em realismo – quem nunca foi interrompido numa observação por uma pessoa que passa na frente? – e em angústia, já que a alternância do rosto do delegado com a visão do mar dá a impressão de que o tubarão pode aparecer a qualquer hora.
Há ainda o plano da balsa, sem cortes, quando o prefeito pressiona o delegado para que não feche as praias. O fato de que em nenhum momento se mostra de frente a “autópsia” do tubarão tigre, por exemplo. Ou o enquadramento de cima do mastro do barco, que faz o espectador se voltar para o microcosmo criado ali, independentemente do que há no mar. Tubarão já vale só pela observação dessa série de tomadas e enquadramentos que, no conjunto, tornam um filme bonito sem que saibamos definir a razão.
Mas sua principal qualidade, a meu ver, é a demonstração de que o tempo da narrativa é essencial para fazer um bom suspense, a despeito dos efeitos especiais. O filme anunciou o que seria a era dos blockbusters, ao custar 10 milhões de dólares e render mais de 1 bilhão, em valores atualizados. George Lucas ficou preso dentro do tubarão mecânico enquanto ele era construído, porque aquela boca enorme travou e não abria mais. Apesar do investimento e dos esforços aplicados pra fazer uma história minimamente realista, é no que se espera e no que não vê que está a graça. A brincadeira das crianças no barquinho atracado junto ao píer, a longa conversa entre o oceanógrafo e o pescador no barco, o mergulho exploratório do personagem de Dreyfuss. Poucas vezes vemos o tubarão, mas o medo incomoda, enerva. E, convenhamos, quem de nós não tem até hoje medo de ataque de um bicho daqueles ao nadar no mar? Sem nunca ter nem visto um.
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